Quando Olavo Bilac nasceu, em 1865, no país não se falava em outra coisa além da Guerra do Paraguai. Na casa do futuro poeta, o assunto ainda era mais próximo, pois seu pai, o dr. Brás Bilac havia partido para o campo de batalha como cirurgião da Polícia Militar, seis meses antes do seu nascimento. Após retornar ao Rio de Janeiro e ver pela primeira vez seu filho, não cultivou outro sonho senão que Olavo seguisse seus passos na profissão. Tentou de tudo. Matriculou-o na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Mas, ele frequentou as aulas somente até o quarto ano. Bom, quem sabe então Direito? Lá foi Olavo Bilac para São Paulo, cursar a Faculdade de Direito, no Largo São Francisco. Não chegou ao segundo ano e estava de novo à porta da confeitaria Paschoal, na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro.
Olavo Bilac queria ser poeta. Pretendia viver das letras. Um sonho impossível na época. Rompeu com a família e foi dedicar-se ao grupo dos boêmios, reunidos em torno de José do Patrocínio, o “tigre da abolição”. Apesar de serem vistos com desconfiança pela boa sociedade, entre outras coisas pelo desmazelo no vestir e pelo vagar nas ruas até a madrugada, levavam uma vida de trabalho duro. Olavo Bilac produzia uma crônica por dia. Conquistou o reconhecimento e o sucesso. Na Gazeta de Notícias, jornal carioca famoso por reunir os nomes referenciais da literatura brasileira, substituiu como cronista ninguém menos que Machado Assis e, foi substituído, também, por ninguém menos que João do Rio. Chegou a ser eleito Príncipe dos Poetas em concurso promovido pela Revista Fon-fon. Em pleno século XX, relembrando a importância de sua geração para a literatura afirmou: “O que fizemos nós? Fizemos isso: transformamos o que era até então um passatempo, um divertimento, naquilo que é hoje uma profissão, um culto, um sacerdócio (…).”
BILAC, Olavo; DIMAS, A. Bilac, o jornalista. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial, 2006.
JORGE, Fernando. Vida e poesia de Olavo Bilac. Osasco: Novo Século, 2007.
Publicado em 1908, o poema O caçador de esmeraldas retoma uma antiga tradição grega para honrar a memória de um bandeirante famoso: Fernão Dias Paes Leme. Bandeiras foi o nome dado, a partir da primeira metade do século XVIII, para as expedições ao interior do país – o termo era comum a todas as regiões da colônia e seu significado costumava vir associado a outros vocábulos: entradas, jornadas, empresas ou conquistas. Na versão adotada pelos paulistas, contudo, as bandeiras assumiram a forma militarizada de organização das expedições de caça e escravização dos índios ou de busca de metais preciosos e fizeram a legenda ambígua dos bandeirantes: seres meio mitológicos prontos a abrir os caminhos nada fáceis do sertão, e dar início à gigantesca obra de incorporação da vasta fatia do interior ao território da América portuguesa; e, ao mesmo tempo, homens cruéis, capazes de massacrar populações inteiras de nativos – eles eram os “empreiteiros da hecatombe”, no olhar já contemporâneo do escritor Euclides da Cunha, em seu livro Os sertões, publicado ainda no início do século XX.
Olavo Bilac, porém, vivia um contexto turbulento, em que se jogavam os destinos da nacionalidade, e não viu os bandeirantes dessa forma. Por meio de seus versos, o poeta segue os passos do bandeirante em sua última e grande aventura. Ia ao encalço da mítica serra do Sabarabuçu, tão formosa e refulgente, informavam os índios, que só poderia ser vista ao longe e era impossível passar-se por ela, tamanho o resplendor – chamavam-na “sol da terra”. A epopeia sertanista é louvada por Bilac em um poema que canta a trajetória de Fernão Dias, desde o findar das águas de março que fecham a temporada de chuvas, em 1674, quando deixou a vila de São Paulo de Piratininga, até o dia de sua morte nas proximidades da misteriosa lagoa do Sumidouro, a “água que some” por um buraco do mato e é constantemente realimentada por ribeirões subterrâneos, nas imediações do Rio das Velhas, região central das Minas.
O poema é composto na forma do epitáfio, discurso que glorifica a memória dos mortos pela pátria criado em Atenas, durante a Antiguidade Clássica. O epitáfio diz da arte de reconhecer e sublinhar a virtude dos ancestrais, conservando viva a relação entre a pátria e seus habitantes. Dividido em quatro sonetos, O caçador de esmeraldas possui versos extensos que recordam, em riqueza de detalhes, os desafios enfrentados pela bandeira de Fernão Dias. Espécie de oração que honra as ações virtuosas do sertanista ao doar sua vida em nome da missão atribuída a ele pelo próprio rei de Portugal, o epitáfio escrito por Bilac encarna a visão do poeta sobre o papel dos bandeirantes, Fernão Dias à frente, na ocupação do interior do território que, um dia, seria o Brasil.
A beleza dos versos de Bilac, porém, atravessou o tempo e a narrativa épica do poema ecoa até hoje em outras linguagens da cultura brasileira como a canção popular, o cinema e o teatro. Um poeta e um compositor, em especial, retomaram os versos de O caçador de esmeraldas em suas próprias obras. Mais de dois séculos após a chegada de Fernão Dias nos sertões das Minas, o poeta Carlos Drummond de Andrade, recordou as aventuras enfrentadas por sua bandeira, no poema Canto Mineral:
As esmeraldas de Minas matavam os homens de esperança e febre
e nunca se achavam
e quando se achavam
eram verde engano
Tom Jobim, por sua vez, retirou dos versos de Bilac a inspiração para a canção Águas de março – a estrofe inicial do poema de Bilac foi transcrita por Tom Jobim para o encarte do Disco de Bolso do Pasquim, primeiro registro da canção, com o comentário: “Daí, creio, vêm as minhas Águas de março”.
O caçador de esmeraldas
Olavo Bilac
Foi em março, ao findar das chuvas, quase à entrada
De outono, quando a terra, em sede requeimada,
Bebera longamente as águas da estação,
– Que, em bandeira, buscando esmeraldas e prata,
À frente dos peões filhos da rude mata,
Fernão Dias Pais Leme entrou pelo sertão.
Ah! quem te vira assim, no alvorecer da vida,
Bruta Pátria, no berço, entre as selvas dormida,
No virginal pudor das primitivas eras,
Quando, aos beijos do sol, mas compreendendo o anseio
Do mundo por nascer que trazias no seio,
Reboavas ao tropel dos índios e das feras! (…)
(…) É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho. (…)
O caçador de esmeraldas
Olavo Bilac
(…) Na cerrada região das florestas sombrias,
Cujos troncos, rompendo as lianas e os cipós,
Alastravam no céu léguas de rama escura;
Nos matagais, em cuja horrível espessura
Só corria a anta leve e uivava a onça feroz:
Além da áspera brenha, onde as tribos errantes
À sombra material das árvores gigantes
Acampavam; além das sossegadas águas
Das lagoas, dormindo entre aningais floridos;
Dos rios, acachoando em quedas e bramidos,
Mordendo os alcantis, roncando pelas fráguas;
– Aí, não ia ecoar o estrupido da luta…
E, no seio nutriz da natureza bruta,
Resguardava o pudor teu verde coração!
Ah! quem te vira assim, entre as selvas sonhando,
Quando a bandeira entrou pelo teu seio, quando
Fernão Dias Pais Leme invadiu o sertão! (…)
(…) Fernão se apaixonou como um selvagem
Pela sereia do sertão, na água.
Imagem virgem,
Miragem esverdeada ao sol.(…)
O caçador de esmeraldas
Olavo Bilac
(…) Para o norte inclinando a lombada brumosa,
Entre os nateiros jaz a serra misteriosa;
A azul Vupabuçu beija-lhe as verdes faldas,
E águas crespas, galgando abismos e barrancos
Atulhados de prata, umedecem-lhe os flancos
Em cujos socavões dormem as esmeraldas.
Verde sonho!… é a jornada ao país da Loucura!
Quantas bandeiras já, pela mesma aventura
Levadas, em tropel, na ânsia de enriquecer!
Em cada tremedal, em cada escarpa, em cada
Brenha rude, o luar beija à noite uma ossada,
Que vêm, a uivar de fome, as onças remexer.
Que importa o desamparo em meio do deserto,
E essa vida sem lar, e esse vaguear incerto
De terror em terror, lutando braço a braço
Com a inclemência do céu e a dureza da sorte?
Serra bruta! dar-lhe-ás, antes de dar-lhe a morte,
As pedras de Cortez, que escondes no regaço!
E sete anos, de fio em fio destramando
O mistério, de passo em passo penetrando
O verde arcano, foi o bandeirante audaz.(…)
O caçador de esmeraldas
Olavo Bilac
(…) Sete anos! combatendo índios, febres, paludes,
Feras, repteis, – contendo os sertanejos rudes,
Dominando o furor da amotinada escolta…
Sete anos!… E ei-lo de volta, enfim, com o seu tesouro!
Com que amor, contra o peito, a sacola de couro
Aperta, a transbordar de pedras verdes! – volta…
Mas um desvão da mata, uma tarde, ao sol posto,
Pára. Um frio livor se lhe espalha no rosto…
É a febre! O Vencedor não passará dali!
Na terra que venceu há de cair vencido:
É a febre: é a morte! E o Herói, trôpego e envelhecido,
Roto, e sem forças, cai junto do Guaicuí…(…)
(…) Cada passada tua era um caminho aberto!
Cada pouso mudado, uma nova conquista!
E enquanto ias, sonhando o teu sonho egoísta,
Teu pé, como o de um deus, fecundava o deserto!
Morre! tu viverás nas estradas que abriste!
Teu nome rolará no largo choro triste
Da água do Guaicuí… Morre, Conquistador!
Viverás quando, feito em seiva o sangue, aos ares
Subires, e, nutrindo uma árvore, cantares
Numa ramada verde entre um ninho e uma flor!
Morre! germinarão as sagradas sementes
Das gotas de suor, das lágrimas ardentes!
Hão de frutificar as fomes e as vigílias!
E um dia, povoada a terra em que te deitas,
Quando, aos beijos do sol, sobrarem as colheitas,
Quando, aos beijos do amor, crescerem as famílias,
Tu cantarás na voz dos sinos, nas charruas,
No esto da multidão, no tumultuar das ruas,
No clamor do trabalho e nos hinos da paz!
E, subjugando o olvido, através das idades,
Violador de sertões, plantador de cidades,
Dentro do coração da Pátria viverás! (…)
Como cronista, durante os primeiros decênios da Republica, Olavo Bilac produziu instantâneos da vida urbana no início de um complexo processo de modernização das cidades brasileiras. Imigrantes chegavam de diferentes partes do mundo, a sociedade dinamizava-se, o número de habitantes nos grandes centros crescia em uma média acima da porcentagem nacional. A urbanização era uma realidade que vinha para ficar, e alterava rapidamente a feição do país. A população concentrou-se em algumas grandes cidades: Rio de Janeiro, São Paulo e, a partir de 1897, Belo Horizonte, primeira urbe planejada do Brasil. Era preciso embelezá-las para que bem representassem suas funções: cuidar dos edifícios públicos; afastar a pobreza para os novos subúrbios; implementar o transporte coletivo e construir instituições representativas. Em seus textos Bilac referiu-se a todas elas. Mas, a menina dos seus olhos era mesmo a capital da República.
O Rio de Janeiro que ocupava sua atenção seguia na contramão das paisagens construídas pela escrita de viajantes, poetas e compositores nos mais diferentes momentos da história. Quase todas elas compartilhavam o mesmo defeito: o encantamento pela natureza em seu entorno. Olavo Bilac, ao contrário, insistia em descarnar a cidade do seu verde, do seu mar, para distinguir em meio ao que considerava – num momento de clara irritação – como “trambolhos verdes”, o lixo acumulado pelas ruas, a ausência de infra-estrutura, o desleixo administrativo, a falta de higiene responsável pela disseminação de doenças. Em sua opinião, a exuberância da natureza desviava o olhar daquilo que realmente importava: a vida urbana.
Paris era seu modelo ideal de cidade. Mas, Paris estava longe. Acessível apenas à meia dúzia de grã-finos. Fora do alcance para a grande maioria dos acaipirados nacionais. Seu polo imediatamente oposto, no entanto, estava logo ali. Tão perto que amedrontava pela proximidade à Rua do Ouvidor, podendo bem mesmo colocar em perigo seus civilizados frequentadores. Do interior da Bahia, as choças amontoadas nas ruas estreitas, tortas e sujas do arraial de Canudos, fundado pela ação do “refinadíssimo patife” Antônio Conselheiro, espreitavam o projeto civilizatório de Olavo Bilac. A relutância dos sertanejos de Canudos em serem derrotados, justificaria decretar-se o estado de sítio. Medida extrema para um abolicionista, que a bem pouco tempo, fora preso e obrigado a refugiar-se em Minas Gerais, por criticar o governo florianista.
Destruída a “cidadela maldita”, Olavo Bilac realinha o foco para o Rio de Janeiro. Exulta com a instalação do governo Rodrigues Alves e sua equipe técnica pronta a virar o Rio de Janeiro de ponta a cabeça, em 1902. O saneamento ficou sob a responsabilidade do médico sanitarista Oswaldo Cruz e a reforma urbana coube ao engenheiro Pereira Passos, o qual conhecia de perto o projeto para Paris elaborado pelo Barão de Haussman. A população pobre foi obrigada a dar lugar à nova cidade e removida do centro. Para Bilac, as reformas significavam o fim do mau cheiro, das águas paradas, das ameaças de doenças. A perspectiva de uma administração interessada colocou-lhe à solta a imaginação: teríamos finalmente avenidas com 120 metros de largura, mais praças, parques! E segue caminhando “dentro de seu sonho radiante, como dentro de um halo fúlgido, através do qual vê tudo transformado e encantado”.
Belo Horizonte – A Nova Capital de Minas II
Olavo Bilac
II
Mais meia légua. E, chegados a uma elevação de terreno, vemos toda a serra do Curral, estendida numa linha azulada, com seu alto Pico topetando com as nuvens, a uma altura de 1310 metros.
Corre-se então com a vista toda a localidade escolhida para o estabelecimento da nova capital de Minas.
É como um enorme anfiteatro dodecagonal, aberto para o Oriente, encostado à serra do Curral e ao norte à serra da Contagem.
Na direção do sul, vê-se, no centro quase do grande chapadão, o povoado de Belo Horizonte esticado em forma de T. Dando costas a Belo Horizonte, acham os olhos, ao longe, na direção do norte, a cidade de Santa Luzia, com a sua comprida rua de casas, rematada pela igreja branca que fulgura ao sol.
Dali a meia hora, entramos na povoação. É com que surpresa e com que alegria!
Supunha eu encontrar em Belo Horizonte uma ou duas dúzias de casas rústicas, num arraial quase morto, mergulhado num silêncio melancólico. Em vez disso, acho uma área povoada de mais de dois mil metros quadrados, em que levantam talvez duzentas casas, – comércio animado, lavoura, curtumes, igrejas, dois hotéis, população alegra, sadia, afável, obsequiadora sem aborrecer, discreta sem matutice, e – principalmente… muitas moças que nada têm de feias…(…)
À noite, sob um luar claríssimo, depois da novena de S. Sebastião, durante a qual pude admirar os belos olhos das moças e as pinturas antiquíssimas da igreja, percorremos a pé quase todo o arraial. Quatro ruas principais, a de Sabará, prolongamento da estrada que da cidade desse nome vem ter a Belo Horizonte, a do Marechal Deodoro, a do Capão, e a de Congonhas, prolongamento da estrada de Vila Nova de Lima (…) a povoação deixando já ver como será fácil a construção da cidade projetada. Com efeito, essas ruas, bastante antigas, são perfeitamente planas, como o é, de resto, todo Belo Horizonte: de sorte que serão quase nulos os trabalhos de terraplanagem a executar para a edificação de uma capital-modelo. Por longo tempo, erramos à toa, acolhidos sempre pela amabilidade de todos. (…)
Cidadela Maldita
Olavo Bilac
Enfim, arrasada a cidadela maldita! enfim, dominado o antro negro, cavado no centro do adusto sertão, onde o Profeta das longas barbas sujas concentrava a sua força diabólica, feita de fé e de patifaria, alimentada pela superstição e pela rapinagem!(…)
Enfim, assaltada e vencida a furna lôbrega, onde a ignorância, ao mando da ambição, se alapardava perversa! Enfim, desmantelada a cidadela-igreja, onde o Bom Jesus facínora, como um cura Santa Cruz de nova espécie, oficiava, tendo sobre o espesso burel a coronha da pistola assassina!(…)
Cães de Canudos
Olavo Bilac
Um jornal da Bahia, registrando a entrevista que teve um redator seu com certo oficial recém-vindo de Canudos, narra interessantes episódios posteriores à ultimação da guerra. Este é particularmente trágico na sua simplicidade.
Havia, no arraial, um grande número de cães. Cada jagunço tinha o seu cão, companheiro fiel que o acompanhava às caçadas, às batidas do mato, às caminhadas longas pelo sertão velho. Quando o sítio começou, os animais ficaram, como os homens, encurralados no arraial, de orelhas a fito, farejando o perigo, latindo ao luar, alta noite, vigiando as entradas dos desfiladeiros, guardando a toca negra em que o Conselheiro residia com os seus exércitos de jagunços. Mas quando, feroz, o bombardeio principiou a derrubar as casas, os cães abalaram, desvairadamente, fugindo da metralha: não podiam ter a inabalável fé, a crença ardente dos jagunços, nem sobre a alma deles podia ter influência a palavra ardente do Messias sertanejo (…)
Não viram arderem as casas, varadas de balas, comidas pelas chamas do querosene; não viram a chacina última, não assistiram ao trágico horror da derrota, não ouviram o fragor vitorioso das bandas de música invadindo o reduto conquistado: andavam pelo mato, famintos e aturdidos, vagabundos, chorando os donos ausentes.
Depois, quando cessou o clamor da artilharia, quando os batalhões recolheram a Monte Santo, quando apenas um punhado de soldados ficou guardando Canudos, ei-los de volta, magros, descarnados, ansiosos, de focinho no chão, pelas ruas desertas da cidadela, cheirando o sangue empoçado, uivando melancolicamente na solidão e no silêncio das ruínas. E o oficial que narrou o caso ao jornal baiano conta que viu muitos deles empenhados em cavar a terra, em descobrir os cadáveres podres, em farejá-los longamente, procurando descobrir os donos, os antigos companheiros das caçadas, das batidas de mato, das caminhadas longas pelo sertão velho.(…)
Diário do Rio. 15 de janeiro, 1898.
Olavo Bilac
(…) O Rio de Janeiro (sempre na opinião dos poderes municipais, e na minha) precisa ver-se livre desta abominável fama, que tem, de possuir a mais rica natureza do mundo. Em matéria de natureza rica, já nos basta a das margens do Amazonas. E, lá, naquelas brenhas feracíssimas, fica a natureza muito bem, muito à vontade. Que vem ela fazer numa cidade: “Tem uma bela natureza”? É como se dissesse de uma selva cerrada: “Têm esplendidos edifícios”!(…)
Abaixo as árvores! E que, nos últimos troncos, que sobreviverem à hecatombe, sejam enforcados os últimos higienistas retrógrados! (…)
Crônica. 04 de janeiro, 1903.
Olavo Bilac
O ano novo trouxe ao Distrito Federal um novo Prefeito. E houve um espanto na cidade quando, na primeira coluna do Jornal do Comércio, apareceu em telegrama de torna-viagem, o programa da nova administração municipal…
Uma avenida de 120 metros de largura começando no Pão de Açúcar e terminando na Copacabana! uma avenida do Parque da República à Tijuca! outras avenidas, largas e belas, cortando e arejando toda a cidade! novos parques, novas esplanadas, mais praças! o replantio das matas, o abastecimento de água, o recuo obrigatório dos prédios, a incineração dos lixos, o aperfeiçoamento da higiene domiciliar, a criação da guarda municipal, o equilíbrio orçamentário, quanto cousa!
A cidade, maravilhada e tonta, perdeu a cor e a voz: e, com as mãos a cabeça, começou a andar à roda de sim mesma, sem poder acreditar no que via, mas com a secreta e ardente esperança de que tudo aquilo fosse expressão da verdade.
Ai de nós! A vida é uma série de desilusões! Logo no dia seguinte, verificava-se que o deslumbrante programa era uma blague, uma mistificação, um parto monstruoso da imaginação esquentada de um repórter; o novo Prefeito veio negar ao enganador documento toda a autoridade; e o próprio Jornal do Comércio, que pagara a peso de ouro as 283 palavras do telegrama, punha sobre a falsa plataforma o peso fulminador deste adjetivo implacável: quixotesco! (…)
Que o ilustre Prefeito do Distrito Federal não se zangue com o que vai ler:
Se S. Ex. quer achar um modelo na epopeia de Cervantes, não hesite, seja D. Quixote, e não queira ser Sancho Pança!(…)
Quixote foi o Barão de Haussman que reformou Paris; D. Quixote foi o Marquês de Pombal que das cinzas de uma Lisboa medonha arrancou uma Lisboa airosa; D. Quixote foi o grande Alvear que criou Buenos Aires! D. Quixote foi o espírito yankee que em menos de um século encheu de cidades maravilhosas todo o território dos Estados Unidos.(…)
Mais vale ser D. Quixote, e morrer apedrejado, empalado, queimado vivo, enforcado e estraçalhado por ter amado a limpeza e a beleza, do que ser Sancho Pança, e morrer de velhice por ter respeitado o preconceito e por ter amado o atraso.
Pelo amor de Deus. Sr. Dr. Passos! Seja o D. Quixote… e não tenha medo das sovas! (,,,)
Em 1918, Olavo Bilac arriscou, nos versos do poema Música Brasileira, uma das primeiras tentativas de definição do nosso cancioneiro popular. A moderna canção popular brasileira nasceu simultaneamente à instituição do regime republicano no país, em fins do século XIX. Quando publicou o poema, Bilac era também uma testemunha ocular desse momento inicial de estruturação da música popular. Nesse contexto, a canção que conhecemos hoje ganhava forma através da fusão de ritmos e danças – lundu, maxixe, polca, jongo, choro, modinha, valsa – que, aos poucos, chegavam ao Rio de Janeiro juntamente com as levas migrantes de portugueses, ex-escravizados, retirantes das províncias do norte, roceiros do interior de São Paulo, entre outros.
Olavo Bilac, poeta e jornalista, utilizou seu olhar habituado a desvendar a cidade para construir um panorama musical do Rio de Janeiro. Em seus escritos é possível reconhecer o burburinho da então capital federal e seus tipos sociais como trovadores de rua, “cantoras a chalrar”, capadócios da gema, marujos portugueses, caipiras recém-chegados do interior, a polícia, além é claro, das “três raças tristes” presentificadas no poema Música Brasileira: o indígena (Bárbara poracé), o negro (banzo africano) e o português (trova portuguesa). De certo modo, para o poeta, a criação da nossa canção popular se confunde com a própria origem do Brasil. Ainda que a leitura dessa origem seja digna de controvérsias e mereça questionamentos.
Em 1998, exatamente oitenta anos após a publicação do poema Música Brasileira, Olavo Bilac é homenageado pelo grupo Kid Abelha, na gravação de Ouvir estrelas, tomando por referência outra famosa obra do poeta que ousou antever uma definição para a canção popular como uma linguagem de interpretação do Brasil, mesmo ainda em seus compassos iniciais.
Música Brasileira
Olavo Bilac
Tens, às vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadência, acesa
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.
Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza
Dos desertos, das matas e do oceano:
Bárbara poracé, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.
És samba e jongo, chiba e fado, cujos
Acordes são desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:
E em nostalgias e paixões consistes,
Lasciva dor, beijo de três saudades,
Flor amorosa de três raças tristes. (…)
(…) Direi ouvir estrelas
Certo perdeste o senso
E eu vos direi, no entanto
Que, para ouvi-las
Muita vez desperto
E abro as janelas,
Pálido de espanto (…)
Crônica. O café-cantante
Olavo Bilac
Tu estás habituado, leitor pacato, a comprar fumo, ou velas, ou papel em certa loja de certa rua. Uma noite, levam-te a essa loja os teus passos já afeitos ao caminho. Pasmas, ouvindo dentro da casa, tão tua conhecida, a voz fanhosa de um piano, o canto escorchador de uma guitarra, o garganteio esganiçado de uma mulher… Entras. E, em lugar do teu charuteiro ou do teu merceeiro, encontras uma rapariga que te oferece um chopp. Á tua loja é uma cervejaria! Ao fundo, com um estrado velho, improvisa-se um palco. Á beira dele, um piano inválido desmancha-se em lundus e em tangos. E eis ali surge, de saias curtas, uma cantora a chalrar.
Não há rua, por mais esconsa, por menos frequentada, que não possua atualmente o seu café-cantante.
Há quem se arrepele por causa disso; há quem, enchendo os olhos de lágrimas de profunda agonia, brade e soluce contra essa pouca vergonha, que afasta o povo dos teatros sérios, e que pouco a pouco lhe envenena o corpo com a calamidade da cerveja mal fermentada e o espirito com a desgraça das modinhas indecentes. . . Vamos lá ! por que se há de privar o povo daquilo que ele prefere, da arte barata que lhe dá no gosto, da cerveja ruim que lhe espanta as mágoas ?
Além disso, esses cafés-cantantes de baixa qualidade vieram prestar um serviço: arrebanharam os cantores populares, de que já ninguém tinha notícia.
Oh! o nosso tipo clássico de trovador da rua, tão perseguido da polícia que já nem tinha a ousadia de sair à meia-noite, levantando à fria claridade da lua a gaforinha inspirada, arranhando com as unhas longas as cordas gemebundas da viola, e perturbando o sono casto dos casais burgueses.(…)
Agora, aqui o temos, modificado no vestuário e nas maneiras, mas sempre o mesmo na essência, no lirismo, na malícia e nos pés quebrados dos versos. Aqui o temos, na cervejaria-cantante, alegre e pernóstico, dando com as suas modinhas um sabor novo à cerveja que escorre pela goela do freguês.
Já não traz o antigo violão clássico, companheiro querido das noitadas sem destino, passadas em claro pelas ruas dormidas, ao acaso dos cruzamentos de esquinas; agora, o trovador popular canta ao piano, ou com acompanhamento de orquestra. (…)
Que importa? é sempre o mesmo… E confessemos que ouvir um capadócio da gema cantar com a sua simples brejeirice nativa o “Quisera, amar-te, mas não posso, ó virgem” ou o “Nas horas calmas do cair da tarde”, sempre é mais divertido do que ouvir os couplets franceses, mais ou menos avariados, de cançonetas já sovadas por dez anos de uso em todos os boulingrins de Paris! (…)
Crônica. Jornal da Exposição nº 5, 1908.
Olavo Bilac
Estão a chegar os cantadores e os dançarinos de São Paulo, que vêm dar à Exposição a nota de arte rústica que lhe faltava. Uma Exposição Nacional, no Brasil, sem uma tocada de violão é um contrassenso…
O Violão foi quase desterrado do Rio de Janeiro, é só na Festa da Penha, e em algumas outras festas dos arredores da grande cidade ainda se ouve hoje a voz plangente dos troveiros, acompanhada pelo sussurro choroso das cordas do “pinho”. Não pode dar-se bem o singelo instrumento, companheiro inseparável do roceiro, neste cenário suntuoso de aventuras e palácios.
Mas, no interior, ainda é ele que alegra todas as reuniões, que interpreta todo o sentimento das almas simples, quem traduz na sua harmonia rude a rude poesia do sertão(…)
Alguns desses exemplares do nosso instrumento de música nacional por excelência são ricamente trabalhados em madeiras preciosas, em finos lavores, com incrustações de madrepérola e tartaruga. Outros, porém, – e são para mim os mais interessantes – são de uma feitura primitiva e ingênua, mal acabados, conservando ainda na caixa mal talhada a rudeza natural da casca da madeira que serviu para o seu fabrico. (…)
Para os gregos, o monte Parnaso era a morada do deus Apolo e das Musas. Por muito tempo Olavo Bilac foi identificado como mais um entre os brasileiros que, inspirados pelos autores franceses das antologias poéticas Le Parnasse Contemporain, publicadas a partir de 1866, procuravam distanciamento do mundo para reunirem-se as musas, em dedicação à arte. Afastados do burburinho produzido pela realidade, os parnasianos se dedicariam à forma, à estética, sem ater-se a preocupações políticas, sociais, didáticas ou qualquer outra distração que pudesse desviar o esmero do poeta, em alcançar a forma perfeita.
No Brasil, os poetas considerados parnasianos nunca conseguiram manter a postura alheia às questões de seu tempo como proposto pelos franceses. Além de Olavo Bilac, destacavam-se no parnaso nacional, Raimundo Corrêa e Alberto de Oliveira. Entre os três, Olavo Bilac podia ser o mais querido, mas unicamente preocupado com a forma, nem tanto. A generalidade do rótulo não consegue dar conta da pluralidade de temas desenvolvidos em seus poemas. Seus versos foram patrióticos, satíricos, históricos, amorosos, infantis.
Podiam os tronos desabar, podem massacrar-se os partidos, que nós, quando nos dignávamos a olhar para a terra, só a julgávamos merecedora de uma pilhéria.
Com essa fala, Bilac confirmaria uma postura parnasiana frente à vida, ou seja, preocupada com a forma e desinteressada do que se passava ao rés do chão. Uma poesia dedicada ao manejo hábil e consciente dos recursos retóricos e estruturais à disposição do poeta cuja obra deveria resultar de trabalho árduo dedicado a burilar as palavras como ele próprio aponta no soneto A um poeta e na poesia Profissão de fé. Sem valer-se da inspiração arrebatadora, como os poetas imbuídos do espírito romântico da geração anterior.
Mas, na década de 1880, opor-se ao romantismo já era em si uma postura política. Ser parnasiano, naturalista ou realista significava recusar idealizações descoladas da realidade, como o indianismo tão caro à produção literária patrocinada pelo chamado “bolsinho do Imperador”. Não por acaso, o famoso autor romântico José de Alencar, foi o alvo preferido dos ataques da chamada “geração boêmia”, apesar das desavenças pessoais existentes entre o escritor e o imperador D. Pedro II. Afinal de contas, seu romance “Iracema”, publicado em 1865, alcançou repercussão nacional e sedimentou-se como obra de referência do indianismo romântico. Para colocar o país no “nível do século” era chegada a hora de dar fim ao clientelismo do monarca e ao caráter oficial da literatura romântica. Segundo Olavo Bilac, passava da hora de considerar-se o mérito e não o alinhamento à uma concepção simbólica oficial.
Em 1904, durante um “curso de poesia” Bilac ampliou as possibilidades de atuação do homem de letras. O poeta não poderia ser considerado um homem à parte na sociedade. Como qualquer outro, estava fora “do claustro” ou da Torre de Marfim. Convidado a falar sobre os poetas de sua geração, afirmou: “Não nos limitamos a adorar e a cultivar a Arte pura, não houve problema social que não nos preocupasse, e sendo ‘homens de letras’, não deixamos de ser ‘homens’”.
Profissão de fé
Olavo Bilac
(…) Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
Corre; desenha, enfeita a imagem,
A ideia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.
E horas sem conto passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.
Porque o escrever – tanta perícia,
Tanta requer,
Que oficio tal… nem há notícia
De outro qualquer.
Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma! (…)
A um poeta
Olavo Bilac
Longe do estéril turbilhão da rua,
Benedictino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego
Não se mostre na fábrica o suplicio
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade. (…)
Bilac
João do Rio
(…) — Um artista sente mais as dores terrenas que cem homens vulgares, os poetas são como o eco sonoro do verso de Hugo, entre o céu e a terra, para transmitir aos deuses os queixumes dos mortais…
A Arte não é, como ainda querem alguns sonhadores ingênuos, uma aspiração e um trabalho à parte, sem ligação com as outras preocupações da existência. Todas as preocupações humanas se enfeixam e misturam de modo inseparável. As torres de ouro e marfim, em que os artistas se fechavam, ruíram desmoronadas. A Arte de hoje é aberta e sujeita a todas as influências do meio e do tempo: para ser a mais bela representação da vida, ela tem de ouvir e guardar todos os gritos, todas as queixas, todas as lamentações do rebanho humano. Somente um louco, — ou um egoísta monstruoso —, poderá viver e trabalhar consigo mesmo, trancado a sete chaves dentro do seu sonho, indiferente a quanto se passa, cá fora, no campo vasto em que as paixões lutam e morrem, em que anseiam as ambições e choram os desesperos, em que se decidem os destinos dos povos e das raças… (…)
— Há hoje mais um milhão de analfabetos que em 1890! E digam depois que não é preciso criar escolas e difundir a instrução. Um povo não é povo enquanto não sabe ler. Admiras-te dessa minha transformação? O poeta, que ama as cigarras e os flamboiants, o sonhador, que em tudo vê a poesia, batendo-se por um grave problema social!… Ah! meu amigo! Para mim esta é a última etapa do aperfeiçoamento, e o jornalismo é um bem.(…)
— Oh! sim, é um bem. Mas se um moço escritor viesse, nesse dia triste, pedir um conselho à minha tristeza e ao meu desconsolado outono, eu lhe diria apenas: Ama a tua arte sobre todas as coisas e tem a coragem, que eu não tive, de morrer de fome para não prostituir o teu talento! (…)
“Nasci quando argentinos, paraguaios e brasileiros andavam batalhando e morrendo. A estrela que presidiu ao meu nascimento era rubra como sangue”, recordaria Olavo Bilac. Quando finalmente, após mais de cinco anos de conflito, a morte do presidente paraguaio Solano Lopez, em 1870, colocou fim à guerra do Paraguai, o debate em torno da abolição da escravidão e da República ocupava o topo das discussões políticas na capital do Império, onde Bilac havia nascido.
No ano seguinte ao fim do conflito, o Clube Republicano, no Rio de Janeiro, publicou seu manifesto no jornal A República e, em 1873, é fundado o Partido Republicano Paulista. Mas, republicanos e abolicionistas nem sempre compartilhavam as mesmas ideias. Posicionar-se contra o Império e em defesa de uma forma de governo republicana, não implicava em adotar uma posição favorável a abolição. Não era o caso de Olavo Bilac. Para o poeta, República e Abolição eram temas indissociáveis. Não haveria uma sem a outra.
Tomou parte no círculo de boêmios que se organizou em torno do abolicionista José do Patrocínio, de quem Olavo Bilac, tornou-se amigo incondicional. Ambos eram abolicionistas e republicanos, mas diferente de Bilac, José do Patrocínio era mais abolicionista que republicano. Por essa razão, não hesitou em ficar ao lado da regente Isabel, e da Monarquia, quando ela se decidiu pela abolição imediata. Seu “isabelismo” desagradou alguns dos boêmios que o acompanhava. Chegaram a se afastar de Patrocínio, mas não Bilac que manteria a amizade ao longo de toda sua vida.
Em 1897, afastado da roda de amigos, para cursar Direito em São Paulo, Bilac manteve-se atento à causa abolicionista e republicana, publicando versos na revista política semanal Vida Semanária. Recordaria o período em que viveu na “pequena, feia e escura” cidade, como uma época em que, junto ao amigo Alfredo Pujol
ríamos, cantávamos, amávamos, versejávamos: éramos dois adolescentes; mas trabalhávamos pelo futuro do Brasil; éramos abolicionistas e republicanos; dentro destes dois estudantes boêmios, havia dois soldados e dois construtores.
Olavo Bilac estava convencido que os escravos deviam obter a liberdade, pela força. Em março de 1888, regressou à Corte. Convidado por José do Patrocínio passou a colaborar para o jornal Cidade do Rio e retomou sua participação na rede abolicionista responsável por apoiar refúgios de escravos localizados na área urbana do Rio de Janeiro. Como o quilombo do Leblon, idealizado pelo português José de Seixas Magalhães. Sua casa comercial – “Seixas e Cia” –, na rua Gonçalves Dias, no coração elegante da cidade, reunia além de Bilac e Patrocínio, abolicionistas proeminentes como o jurista Rui Barbosa, o escritor Coelho Neto, e alguns intelectuais de renome, como André Rebouças, Paula Ney e Joaquim Nabuco – quase todos favoráveis a um projeto de abolição imediata e sem indenização aos proprietários de escravos.
Basta de prantos!
Olavo Bilac
Basta de prantos! não temos
Pena de vossa aflição…
E, além disto, não queremos
Perturbar a digestão
Fugis? Pregais a doutrina
Da liberdade? pois bem:
Lá vai bala, carabina
Que é o que melhor vos convém.
Haveis de ficar de novo,
Submissos, trêmulos … Sim!
Isto de escravos e povo
Deve ser tratado assim.
Nós somos brancos e nobres
E temos educação;
Vocês são negros e pobres …
Aguentem pau… pois então? (…)
Salve lindo pendão da esperança!
Salve símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz
Pátria!
Olavo Bilac
Pátria! A coroa cai… Pátria, o teu vôo eleva…
Em vão, no ouro polido e claro da coroa,
Viva, a constelação das pedras resplandece…
Mãe! A coroa é sempre o símbolo da treva.
Quando a coroa cai, é quando a Pátria voa,
Quando a luz, aparece! (…)
Diário do Rio. 15 de maio, 1908.
Olavo Bilac
(…) Não estive pensando no centenário da imprensa, mas no entusiasmo, na febre, na loucura daqueles dias de 1888, que precederam o 13 de maio. E tive uma saudade pungente daquela fase da campanha, em que combati como soldado moço e indisciplinado, mais como franco-atirador do que como miliciano regular, mas com uma paixão que nunca mais consegui pôr ao serviço de outra ideia.
Nunca mais haverá campanha como a do abolicionismo no Brasil. Feita a abolição, e feita a República, que era a sua consequência lógica e fatal, – que outra causa, tão bela e tão nobre, ainda pode tentar as almas jovens? (…)
Quem me dera outra vez aquela fé, aquele delírio, com que eu insultava há vinte anos os senhores de escravos, metendo-me alta noite em arriscadas aventuras de roubo de cativos, enganando a polícia, pelejando a murros contra os secretas nos teatros em que a palavra inflamada de Patrocínio tinha violências e fulgores de raio! E quem me dera poder chorar outra vez as lágrimas de suprema ventura, que chorei no dia em que a princesa Isabel assinou a lei piedosa!
Como tudo isso está longe! e quanta gente morta, da que naquele tempo combatia o bom combate, sem pensar no dinheiro, nem na glória, dando tudo sem nada pedir, lutando por amor da luta! (…)
15 de Novembro
Olavo Bilac
Pela primeira vez, será festejada, no Rio, com algum entusiasmo, a data da proclamação da República. Já aqui temos a embaixada do Uruguai, – e durante três dias haverá festas oficiais e populares.
Lendo hoje o programa dessas festas, deixei-me ficar algum tempo a reconstruir, na memória, todas as horas vibrantes daquele ardente dia 15 de novembro de 1889. Dia ardentíssimo! fazia um calor… revolucionário! Não houve muito sangue derramado: apenas algumas gotas, caídas do corpo de um futuro senador da República. Mas, em compensação, houve muito suor.
Nunca esquecerei, em cem anos que viva, os colarinhos empastados, os lenços ensopados, as faces inundadas, com que Trovão, Silva Jardim, Aníbal Falcão, Mallet e cem outros invadiram o salão nobre da Intendência Municipal, ao meio-dia…
A essa hora, ainda não estava proclamada a República: nem a essa hora, nem a qualquer hora do dia 15… À noite, quando o povo se aglomerou à porta da casinha modesta, em que morava Deodoro, na Praça da Aclamação, ainda o Governo Provisório pensava em “consultar a Nação sobre a forma de governo”. A República Federativa só começou a existir na madrugada de 16. Lembro-me bem que quando, da janela da casa de Deodoro, Benjamin Constant falou à multidão, dizendo que “o povo escolheria a nova forma de governo”, – Aníbal Falcão gritou de baixo: “Já escolheu!”. E, durante cinco minutos, os “vivas” à República retumbaram no ar (…)
Grande dia, de extremo entusiasmo e de ardente loucura! (…)
Nessa seção, estão disponibilizadas atividades didático-pedagógicas para uso do professor em sala de aula que articula a obra literária do autor à um conteúdo multimídia selecionado. Têm como objetivo criar novos dispositivos para o fomento da cultura brasileira, em especial, com a divulgação da poesia escrita e cantada produzida em nosso país. Se, de fato, abrir um livro de poesia e/ou prosa é como abrir uma janela, como comentava o poeta Mário Quintana, as atividades aqui propostas, destinadas ao professor de ensino médio, terá cumprido seu papel se contribuir para que novas paisagens possam ser cotidianamente descortinadas em nossas salas de aula.